A Natureza da Bondade: O Que a Ciência Revela Sobre a Empatia Humana

Pesquisas científicas indicam que a empatia e o altruísmo são traços evolutivos fundamentais na história da humanidade.

NATUREZA E VIDA

Albio Ramos

10/31/2024

a man sitting on the ground with a sign that says,'i am sorry
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Introdução

Pesquisadores da Georgetown University, liderados pela neurocientista Abigail Marsh e sua equipe, publicaram em 2024, na revista Nature Human Behaviour, uma das mais amplas investigações sobre as bases neurológicas da empatia e da bondade humana. O estudo buscou responder a uma das perguntas mais antigas da filosofia e da psicologia: somos naturalmente bons?

A pesquisa combinou neuroimagem, genética e psicologia experimental para entender por que alguns indivíduos demonstram níveis extraordinários de empatia e altruísmo — chegando a arriscar a própria vida para ajudar desconhecidos — enquanto outros parecem indiferentes à dor alheia. Os resultados sugerem que a empatia não é apenas uma escolha moral, mas um traço profundamente enraizado na biologia humana.

Essa descoberta reposiciona o conceito de “bondade” no campo científico, mostrando que o impulso de ajudar o outro pode ter sido uma das forças centrais da evolução da nossa espécie.

A Base Neurológica da Empatia

Os experimentos conduzidos por Marsh e sua equipe mostraram que a empatia está intimamente ligada à atividade de áreas específicas do cérebro, em especial o giro supramarginal, localizado no lobo parietal. Essa estrutura é essencial para distinguir as emoções próprias das emoções alheias — um processo fundamental para compreender o sofrimento e agir de forma compassiva.

Brain in pink, highlighting the right supramarginal gyrus.
Brain in pink, highlighting the right supramarginal gyrus.

A imagem mostra o giro supramarginal direito, uma área do encéfalo fundamental para a empatia e compreensão, ajuda a regular nosso senso de compaixão e altruísmo. Problemas nessa estrutura podem resultar em comportamentos mais impulsivos e egoístas, afetando diretamente nossa capacidade de conexão emocional com os outros.

Além disso, o estudo evidenciou o papel da amígdala cerebral, estrutura envolvida na regulação emocional. Indivíduos com respostas mais intensas da amígdala diante de expressões de medo ou dor tendem a apresentar níveis mais altos de empatia. Isso indica que a bondade pode ter uma base neurobiológica relacionada à forma como o cérebro processa as emoções humanas.

O Que a Ciência Descobriu

De acordo com o estudo da Georgetown University, pessoas altamente empáticas apresentam maior conectividade entre o giro supramarginal e o córtex pré-frontal ventromedial, área associada à tomada de decisões morais e julgamento social.

Essa rede neural integrada permite que o cérebro não apenas reconheça o sofrimento alheio, mas também planeje ações para aliviar esse sofrimento. Em outras palavras, a empatia não é apenas sentir, mas agir — um comportamento moldado pela evolução social humana.

A equipe de Marsh também comparou dados genéticos e observacionais, concluindo que o altruísmo pode ter sido selecionado positivamente ao longo da história evolutiva. Grupos humanos com maior coesão emocional e cooperação teriam mais chances de sobreviver, perpetuando essas características nas gerações seguintes.

Essas descobertas apoiam a teoria de que a empatia não surgiu apenas como um traço individual, mas como um mecanismo coletivo de sobrevivência, essencial para a formação das sociedades humanas.

Por Que a Bondade É Importante para a Sobrevivência

A ciência comportamental e a biologia evolutiva convergem em um ponto: a cooperação é mais vantajosa que o egoísmo em longo prazo. A empatia aumenta as chances de reciprocidade e coesão social — fatores que garantiram a sobrevivência de comunidades inteiras em tempos de escassez e perigo.

Estudos comparativos com primatas, especialmente bonobos e chimpanzés, mostram que comportamentos empáticos, como consolar um companheiro ferido, compartilhar alimentos e proteger filhotes alheios, são observados em outras espécies sociais. Isso reforça a hipótese de que a empatia é uma adaptação evolutiva complexa, que antecede o Homo sapiens, mas foi refinada por nossa cultura e linguagem.

No entanto, há variações individuais significativas. Fatores como genética, experiências de vida, traumas e ambiente cultural influenciam a expressão empática. Por isso, a bondade, embora natural, é maleável e dependente do contexto social e emocional.

A Empatia no Cérebro: O Que os Scanners Mostram

Com o uso de ressonância magnética funcional (fMRI), os pesquisadores observaram que ao assistir cenas de dor ou sofrimento, os voluntários mais empáticos apresentaram ativação simultânea no giro supramarginal, na ínsula anterior e no córtex cingulado anterior — regiões associadas à percepção emocional e ao controle moral.

Essa resposta cerebral coordenada forma o que os cientistas chamam de “rede empática”, responsável por transformar a percepção do outro em uma experiência emocional compartilhada.

Curiosamente, Marsh observou que quando as pessoas tentam suprimir sua empatia — por exemplo, em situações de conflito ou competição — há redução da atividade nessa rede neural, o que sugere que a empatia pode ser inibida conscientemente, mas nunca completamente eliminada.

O Dilema da Empatia: Nem Sempre um Caminho Fácil

Embora seja fundamental para a convivência humana, a empatia também tem seu custo biológico. A exposição constante ao sofrimento pode gerar o que psicólogos chamam de fadiga da compaixão, comum entre profissionais de saúde, professores e cuidadores.

A neurociência mostra que, nesses casos, há hiperativação da amígdala e esgotamento das conexões entre o sistema límbico e o córtex pré-frontal, levando à exaustão emocional. Isso revela que a empatia precisa de equilíbrio: a verdadeira bondade envolve tanto sentir quanto regular.

Segundo Marsh, o desafio atual é compreender como cultivar empatia de forma saudável — um processo que envolve educação emocional, apoio social e políticas públicas que incentivem comportamentos pró-sociais.

Desafios e Perspectivas Futuras

As novas pesquisas de 2025 pretendem mapear como fatores como inteligência artificial e interações digitais estão afetando a empatia humana. Estudos iniciais sugerem que o excesso de exposição a telas e a comunicação mediada por algoritmos pode reduzir a capacidade de reconhecer emoções reais, principalmente entre os jovens.

A equipe de Marsh trabalha agora em uma série de experimentos com modelos de aprendizado de máquina para tentar quantificar respostas empáticas com base em expressões faciais e tom de voz. O objetivo é criar ferramentas éticas de monitoramento emocional, úteis em contextos educacionais e de saúde mental.

Essas iniciativas representam um novo campo da neurociência social, onde tecnologia e biologia se unem para compreender o lado humano da empatia.

Perguntas Frequentes (FAQ)

1. A empatia é genética ou aprendida?
Pesquisas indicam que há uma base genética, mas fatores ambientais e culturais moldam o nível de empatia ao longo da vida.

2. Por que algumas pessoas têm mais empatia que outras?
Diferenças estruturais no cérebro, especialmente no giro supramarginal e na amígdala, além de experiências emocionais precoces, influenciam essa variação.

3. Animais também têm empatia?
Sim. Espécies como golfinhos, elefantes e bonobos demonstram comportamentos empáticos, sugerindo que a empatia evoluiu muito antes dos humanos modernos.

4. É possível aumentar a empatia?
Sim. Práticas de atenção plena, educação emocional e convivência social positiva podem fortalecer as conexões neurais associadas à empatia.

Conclusão

A empatia, antes vista apenas como virtude moral, hoje é reconhecida como um fenômeno biológico e evolutivo complexo. A ciência mostra que ela está inscrita em nossos cérebros, moldada por milhões de anos de convivência e cooperação.

Os estudos de Abigail Marsh e sua equipe reforçam a ideia de que a bondade é uma característica funcional da nossa espécie, e não apenas um ideal ético. Ser empático foi — e continua sendo — uma vantagem adaptativa.

Compreender esse mecanismo é essencial para o futuro da humanidade. Em um mundo cada vez mais tecnológico, o desafio é preservar o que nos torna humanos: a capacidade de sentir com o outro.

Referências Científicas

✍️ Escrito e revisado por Albio Ramos — Médica veterinária, pesquisadora e divulgadora entusiasta de biotecnologia.
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